“ Noite fria, como todas as outras. De doer os ossos, condensar o ar nos vidros, enfiar-se nos cobertores e esquecer o mundo.
Porém aqui estou apenas observando a luz piscante desse quarto, em lugar nenhum, um pardieiro barato deslocado, descolado as pressas. Tento entender como cheguei aqui e agora. Totalmente nu sentindo o corpo tranqüilo, minha respiração como sempre descompassada. Um neon insistente piscando na janela iluminando e ocultando todo o quarto. Inclusive suas curvas.
Um encontro casual, uma historia ou fantasia de um tolo adolescente.
Uma troca de olhar, sorriso de ambos, via sem volta. Uma perdição encontrada em um leve tocar, uma loucura, correr atrás de uma completa estranha, aquela desculpa esfarrapada e simples olhar sincero.
Vontade em ondas luxuria em pleno ápice, pecado defeso. Beijo lento e abençoado pela fria garoa, mãos desconhecidas perdidas e achadas em curvas, dorsos, anseios e desejos. Unhas a fincar, marcar, aleijar e lacerar ambos em batalha tomada pele, pela boca, olhos, mordidas e lambidas.
Parede como apoio recebe os estranhos amantes em seu leito e logo um coito, respiro desregrado. Pausa lenta e um pensar. Poderiam ali parar seguir suas vidas, seus enlaces originais ou viver aquele segundo, momento real, esquecer toda a existência e entrar nesse turbilhão de segundo. Quase em Uno dizem “ sem nomes, sem depois, apenas o agora...” O duelo volta a acontecer, mais intenso, as línguas em um casar perfeito, o suor e a respiração.
Um sorriso ambíguo, entre o puro e o puto, provocante. Uma sorte ou apenas um destino. Pardieiro fora o apelido dado, afinal eles só queriam um lugar e se não achassem seria no meio da rua mesmo, ensandecidos, esquecidos, entregues.
Banho quente, sem receios ou tempo de reconhecimento, roupas jogadas, sapatos lançados ao ar, roupas intimas penduradas. O banhar começa com ele saindo voltando rápido com toalhas, um riso e uma sobrancelha erguida em aprovação e quem sabe espanto. Quatro mãos em brincadeira, água a cair e o som de um chuveiro velho prestes a queimar, sabão indo e vindo, escorrendo lentamente enquanto os olhares identificam os marcares de antes. “acho que te marquei...” ambos diziam e um leve beijo sobre a pele. Doce cumplicidade. Simbiose ampla e completa, insanidade que termina em mais um beijo, água quente a banhar corpos em encontro.
Como crianças mutuamente os corpos são secados, tratados, logo mau tratados. Fúria e tempestade, espiral de prazer e vontade de querer. Um prazer oculto, sem limites, sem prisões. Um ato sem culpados, crime exposto. Gemidos intensos e altos acordariam os vizinhos, se o tivessem. Mais alto que o ranger da cama ou o chão que insistia em estalar. Como tapas estalados, marcas mais profundas, animais com fome que pulam sobre a presa, marcam seu território, possuem seus pares de maneira instintiva. Não há acordos ou meio termos apenas uma fluida energia, a circular. Voltar em uma dança.
Suor, prazer, grito e anseio. Dor e angustia antes do ápice, tortura bela em voluptuosos corpos em pleno arremate.
Cume atingindo, o tempo não contado ou visto, apenas o pleno. Deus encontrado, o infinito em forma bruta.
Logo a dança recomeça sem tempo para pensar, como uma fome que não cessa. Mãos presas como se precisasse, mas amarras feitas um uso pleno, um esquecer de posição apenas um ser em dois corpos buscando a fusão. O limite apenas uma palavra não existente. Sem delimitadores como uma tela em branco ambos artistas trabalham formando uma obra. Não importando, sonho ou realidade, pecado ou santidade, homem ou mulher. Unicamente visceral, instintivo, poderoso.
Quantas formas amar aquelas paredes presenciaram, declarações sem palavras, encontro de vidas que passaram, lá desnudas puras entregues. Tantos devaneios e vertentes desaguando naquele segundo imortalizado em duas mentes unidas pelos corpos.
Volto para meu corpo rindo de maneira infantil, seguindo as curvas belas que se desenham na escuridão, sinto dedos brincarem em meus cachos a unha novamente a provocar a pele, arder.
Minhas mãos voltam a procurar, caçar, invadir sem pedir permissão e recebendo como aprovação doces sons. Que aos poucos se mesclam compõem uma exuberante sinfonia. E mais uma vez, uma ultima vez é entoada. Ode aos amantes, desconhecidos, loucos e perfeitos. Porem diferente das primeiras vezes o fim é adiantado um som corta o silencio, ela corre para a realidade se voltando para o objeto que insistentemente brilha, vibra, dispara contra os sonhos. Sem nada dizer ela salta da cama, mas antes um segundo durante um segundo ela se volta e beija aqueles lábios que não tinham nome, não existia fora do devaneio, um leve sopro podia ser escutado “te amo eternamente”. O sussurro se perde entre tantos sons, o tempo voltava a girar e uma tormenta como um tiro no peito não poderia fazer nada, apenas ver, vestir, sentir o cheiro do perfume que não sei o nome e terminar de me arrumar. Antes de sair ela se vira “desculpe, preciso voltar” apenas respondo “eu sei, não vou te esquecer”. Ela sorri de maneira que não posso esquecer e por fim se vira eu só posso declamar “Pax vobis...”. Ela não virava saia do pardieiro e como um vento de junho que some, me deixando em plena rua, perdido, sem base.
Volto para minha existência, comum e feliz.
Admito quando penso em algo mágico sorriu sozinho, penso naquele dia, naquela paixão não existente, naquela mulher que foi e sempre será não sendo nada.
Admito também que às vezes, apenas às vezes pego aquele mesmo caminho, desço no mesmo ponto e observo as pessoas os olhares, buscando aquele olhar...
Infelizmente ou felizmente até hoje nada achei.
Às vezes acho que foi apenas um bom sonho, às vezes sinto aquele perfume sem nome e às vezes, poucas vezes, tenho a esperança de sonhar novamente, de ter o tempo parado, nem que por um segundo, encontrar a paz que reside em nossas almas.”
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