" Um dia como outro qualquer. Infelizmente mais um dia.
Já não tinha esperanças de algo bom ou uma simples mudança. A luz batendo na parede do quarto não mais era bela. O canto de céu que via pela janela já não mais tinha formas, muito menos nuvens.
Vestindo a mesma roupa de dias atrás, não me importava com o cheiro pesado que tinha, afinal ninguém se importava. Andando como um fantasma pelos cantos ouvia as vozes assustadas: “Está vendo? É o fim do mundo... Não é nada, deve ser invenção... O que? Nossa será que é um golpe?”, o som do rádio e da televisão se mesclavam. Uma cacofonia que chegava a me incomodar.
Tomava um copo de café, coçava a cabeça tentando entender aquele pandemônio. As imagens distorcidas que via era uma enorme rocha no meio de uma avenida e um policial dava entrevistas dizendo: “Não há motivos para pânico, estamos cuidando disso...” claramente mentindo, tão apavorado quanto a repórter. Continuava a assistir sem interesse afinal não mudaria a anestesia que sentia. Até que uma criança que não deveria ter mais que 7 anos corria, furando o bloqueio policial e encostava na enorme rocha, um brilho azulado emanava daquele pedregulho e a criança simplesmente sumia.
Boquiaberto mal conseguia ver as próximas cenas que passavam, uma mãe com mais duas crianças gritando, policiais entrando em confronto, gritos e histeria. Era algo diferente, afinal meu coração estava acelerado, uma vertigem tomava conta de minhas pernas e um pensamento me inundava. Preciso ver. E mais que isso... Tocar.
Horas depois estava na rua andando. Tudo estava fechado como um feriado menos igrejas e templos, pessoas oravam pedindo perdão de seus pecados. Estranho ver como humanos se comportam ao achar que vão morrer ou o fim está próximo, acham que voltar sua fé para algo irá aliviar tudo que já fizeram. Aquela mulher que batia nos filhos e bebia magicamente se torna uma boa mãe, o homem desonesto se torna virtuoso por confessar, o nojo e preconceito dão lugar ao medo e pavor. Muito conveniente, é como o grande ser que quer foder com todos olhasse e falasse “Opa esses aqui rezaram por mim, então posso pegar leve com eles enquanto como o cú de todos os outros...”. Fico rindo sozinho, não me incomodo por andar tanto, afinal as vozes nunca me deixam sozinho, todas elas cobrando, xingando, ofendendo, lembrando meu passado como se precisasse de vozes para lembrar.
Na avenida como previsto milhares de pessoas. Como abutres atraídos por carniça ficavam a espreita de informações. O medo era sensível, olhares se perdiam e se encontravam no mesmo ponto, uma enorme rocha fincada no meio da rua tão grande quantos os maiores prédios dela. Sirenes e helicópteros eram audíveis e sinceramente não me importava. Depois de tantos anos ouvindo atrocidades desferidas por pessoas queridas, fracasso em cima de fracasso, azar num mar de coincidências sinceramente eu era indiferente ao mundo real. Apenas andava uma longa linha reta até esse estranho monólito deformado. A cada novo passo pensava no abismo que me encontrava e quantas vezes quis dar um passo a mais, um salto de fé na incerta forma de viver. E novamente a mente pensava em motivos para não o fazer. Medo e angustia, amor, prazer, dor entre outros sentimentos que freiam fazem travar em decisões improváveis. E dessa vez nada parecia funcionar, via pregadores e seus livros gritando, vendedores ou aproveitadores no mesmo tom querendo lucrar. Toalhas estendidas no chão em piqueniques estranhos, góticos rindo enquanto punks bebiam, policiais assustados ligavam para suas famílias pedindo para saírem. E político, esses políticos sempre a esgueirar com suas línguas de verme prometendo o que não sabem ou não conhecem.
Agora perto, vejo a grandiosidade de algo e minha insignificância perante a esse plano. A rocha a frente era descomunal e emanava poder, não haveria palavras para descrever a sensação sentida. Era como um amor de um abraço longo, daquele que foi dado no passado e até hoje ecoa na lembrança. Como um “eu te amo” guardado na memória e apenas tirado naquele momento de tristeza para confortar das mazelas da vida. Eu continuava a caminhar. O que poderia fazer? Se tudo que amei eu perdi. Um campeão em derrotas e sacrifícios inúteis. Eu pensava em apenas seguir, afinal não doía mais, não sentia mais nada, não era mais necessário ali.
Eu andava, sentia meus pés trêmulos, a visão por vezes ficava turva e o coração disparado. Sinto mãos tentando me tocar, pequenas e grandes, delicadas e bruscas. Sigo apenas em um andar, sem volta, sem impedimentos, sem receios. Uma linha reta, um pensamento fixo. Se bom ou ruim não sei. Acho que nunca saberei. Apenas tenho que estender minha mão. E é o que faço.
Sinto meu corpo ir, as vozes se calarem. Sinto paz. Sinto tristeza. Sinto amor. Adeus."
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